segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pezinho de Alface

- Alô! Abigail?
- Sim, desculpe a demora. Eu estava lavando roupa.

É assim que ela atende o telefone. A simplicidade típica de uma dona de casa torna a história dessa mulher ainda mais interessante. Abigail Gonçalves, viúva, mãe de três filhos, todos já formados, como ela diz; não se preocupa apenas com os “meninos” de casa.

Nos últimos quinze anos, Abigail se tornou guardiã dos direitos de crianças e adolescentes de Governador Valadares. Como toda evangélica, gosta de ler a escritura sagrada, mas não abre mão de saber de cor os “versículos” mais importantes da segunda “Bíblia”, que ela tem em casa. “Todos os pecados e erros cometidos contra os meninos e as meninas deste país, só são praticados por causa do desconhecimento e do descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Ao participar de uma mobilização da comunidade para reerguer uma creche do bairro Santa Rita, em 1993, Abigail acabou tomando contato com uma realidade que não conhecia. “Os meninos chegavam à creche de pezinho no chão; alguns muito magrinhos”, lembra. Não demorou e ela percebeu que as crianças maiores, as adolescentes, ficavam com muito tempo ocioso, que poderia ser mais bem aproveitado. Abigail e um grupo de mulheres fizeram uma campanha de doações, arrecadaram dinheiro, compraram bebedouro, ganharam material de limpeza, e até oito máquinas de costura. “Conseguimos montar um curso de corte e costura e outro de arte culinária”.

A partir daí, a dona de casa não parou mais em casa.

Em 1996, incentivada pelos vizinhos, candidatou-se ao conselho tutelar. Foi eleita. E depois, reeleita. Foram seis anos de mandato.

Como conselheira tutelar, Abigail acompanhou a difícil fase do antigo CENISA, local onde eram internados os adolescentes que cometiam atos infracionais. Período conturbado, de muitas rebeliões. Inúmeras vezes, Abigail era quem ia atrás de juízes, promotores, advogados, políticos, prefeitos, deputados, para pedir socorro. “Eu não queria mordomias para os internos do CENISA. Queria apenas que fossem respeitados os direitos deles como pessoas. E que tivessem a chance de se recuperar e se reintegrar à sociedade.”

Foi nesse período que Abigail ganhou um apelido dos adolescentes do CENISA: “Pezinho de Alface.” No auge dos tumultos no centro de internação, à noite, os meninos pediam que alguém levasse café para eles nos alojamentos. Aí, entrava em cena o bom humor e a presença de espírito de quem sabe como dialogar com os adolescentes. “Eu falava pra eles: gente, café vai deixar vocês mais nervosos: vocês têm é de tomar um chazinho, comer alface, pra ficar todo mundo mais calmo.”

Da época de conselheira tutelar, ela também não se esquece do apoio que recebeu do marido: “Numa das muitas vezes, em que o telefone tocou lá em casa de madrugada, fui informada de que um bebê, de um ano e meio, havia sido abandonado na rua, no centro da cidade. Acordei o meu marido, e ele, mesmo com muito sono, levantou-se da cama, e foi lá comigo para recolher a criança”, revela.

Abigail perdeu o marido, quando estava no segundo mandato como conselheira tutelar, no ano 2000. Quis o destino que o companheiro se fosse, de forma repentina, na véspera do aniversário dela. Essa coincidência de datas entre morte e o que deveria ter sido a comemoração pela vida gerou uma situação inusitada. “Ele estava tão bem de saúde, que de manhã, contratou o serviço de telemensagem para o dia seguinte. Quando a funcionária ligou para a minha casa para passar a mensagem, minha filha atendeu. Era a mensagem me parabenizando pelo aniversário. Só que naquele mesmo instante, o homem que mandou o presente, estava sendo velado numa igreja do bairro.”

Ela ainda se recuperava da perda do marido, quando um ano depois, via-se diante de um novo e duro desafio. Tinha em mãos, um exame médico que não deixava dúvidas: estava com um câncer na faringe, no estágio 3. “Os médicos me deram alguns meses de vida. Até hoje, eles falam que não acreditam que eu esteja aqui.”

Depois de sete anos de muita radioterapia e quimioterapia, Abigail ainda não se livrou totalmente da doença. De três em três meses, tem de fazer acompanhamento médico. Mas, já provou que não é de entregar os pontos. A explicação para tanta força? “A paixão pela criança e pelo adolescente me mantém de pé.”

E a recíproca parece ser verdadeira. Um dia, voltando do médico, Abigail encontrou na rua alguns dos adolescentes que já passaram por ela no antigo CENISA. “ Eles me viram quase sem cabelo, com um lenço amarrado na cabeça. Ficaram arrasados. Um deles apertou a minha mão e disse: - Estou conversando com Deus; ele falou que vai salvar a senhora.”

4 comentários:

  1. Carlos querido,
    voce acompanha minha luta ha anos.
    Sabe que minha riqueza é ver as crianças e os adolescentes serem respeitados como sujeitos de direito. Tenho certeza de que já avançamos muito no decorrer dos anos. Não podemos nos acomodar, e muito menos deixar que as pessoas que militam na garantia de direitos, se vendam, ou se tornem subservientes.
    Me aborrece muito saber que os meninos que me deram este apelido (Pézim de alface)morreram assassinados antes dos 18 anos, por incompetencia nossa (familia,sociedade e estado)

    Obrigada pelo carinho, e palavras que certamente vão incomodar...
    Abraço fraterno, e que Deus guie seus caminhos sempre em sucesso!
    Abigail (Pézim de alface)

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  2. É UM EXEMPLO DE GARRA DESTA SENHORA,ENQUATO MUITOS QUE TÊM TANTO, NÃO FAZEM NADA,E VOCÊ RELATOU MUITO BEM A HISTÓRIA DELA, BATALHADORA, SEM DESISTIR DE LUTAR POR ELA E PELOS OUTROS,COMO ELA MESMA DISSE; A SUA RIQUEZA ESTÁ EM AJUDAR,FIQUEI EMOCIONADA ATÉ, E O MAIS IMPORTATE: ELE SEDO UMA LAVADEIRA DE ROUPAS,SBEMOS QUE NÃO É FÁCIL FORMOU SEUS FILHOS E AINDA TEM TEMPO PARA SI PREOCUPAR-SE COM OS DEMAIS, PARABÉNS POR TER NOS CONTADO ESTÁ BELA HISTÓRIA REAL, E A ELA TBM. ESTÁ VENDO, VOCÊ ME CONQUISTOU,KKKK.

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  3. Altamente literal!
    Lindo!
    Mulher de garra demais a "Biga"
    Amo muuuuito!!

    Parabéns pelo blog Carlinhos, tá muito legal!!!

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  4. Gente, estava faltando um blog deste para escrever pelo menos um pouco do que significa nossa Biga para a sociedade valadarense... Ela é espetacular, autêntica e amada não só pelos meninos e meninas que tem seus direitos violados, mas pelos jornalistas de toda cidade. Homenagem mega, super e hiper justa.. Beijos a vc Carlinhos

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Quem sou eu

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Na rádio, sou o narrador de futebol, Carlos Augusto. Na TV, sou o repórter e apresentador Carlos Albuquerque. Aqui, neste blog, pretendo resolver essa "crise de identidade" e juntar os dois "Carlos"! Mas, no fundo, sou aprendiz, eternamente aprendiz! Sou filho da terra, de todas as terras que formam o planeta, de todas as substâncias que formam o universo. Sou irmão de todos os seres. Sou o pai da Luíza.