quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Cura

Minhas saudades não pesam mais
O tempo leva
o vento traz

A dor
eu lembro leve
e esqueço em paz

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Quanto molhar, melhor


Falta vaga no céu?
Guardo minha nuvem
num desenho no papel.

Só não pode chover,
pra não apagar o dever
escrito no caderno.

Mas deixa cair
em nós
o prazer celestial
de ouvir
a chuva no telhado.

E viva o direito
de chover
no molhado.



Tempos, ventos e santos

Tempo varre
pra dentro 
ou pra fora
da memória

vento corre
quilômetros horários
em tempo
ou fora de hora

Quem morre
vira pó
Quem vive
vive só

Tempo varre
vento corre
santo é 
quem morre.







Da série: Morte e Vida

Dona Morte
é uma mulher de sorte:
conheceu Dona Vida.

E desde então,
tem como melhor amiga
uma mulher suicida.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Crônica de ônibus

O ônibus lotado está com cheiro de maçã.
Um rapaz, em pé,
ao lado da catraca,
tem uma sacola de supermercado na mão.
Ele abre e tira de lá,
um bombom.
E come.

Uma mulher fala ao celular.
Um homem ri enquanto Lê uma mensagem no celular.
Outras duas mulheres
falam sobre um celular Ching-ling:

- O meu namorado me deu.
No início, funcionava muito bem.
Depois, a bateria foi ficando
"viciada" (o autor da crônica não sabe
dizer se ela usou a palavra viciada com ou
sem aspas)

- Esse é o problema do Ching-ling!
Já tive um.

O diálogo é breve.
As duas se calam.

Bem ao lado das mulheres,
um jovem manuseia o celular.
Ele usa fones no ouvido.
De vez em quando, olha para fora do ônibus.

O rapaz, perto da catraca,
tira mais um bombom da sacola e come.
Ele usa um boné cor de laranja
Mas, o ônibus continua com cheiro de maçã.

-----------------

Eu até já havia chegado ao ponto final.
Não ao fim da viagem do ônibus.
Mas, ao fim desta crônica.
Só retornei ao texto para dizer
que o rapaz, ao lado da catraca,
tirou o terceiro bombom da sacola.
E comeu.
E não sei se algum dia,
ao entrar no ônibus,
vou sentir esse mesmo cheiro de maçã.   

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Transfusão

Que amor tranquilo
que nada!
Ela implorava 
algo que mais do que 
fazer o coração disparar,
provocasse uma corrida rústica
nas veias.
Queria sentir
o sangue disparando,
freando bruscamente
em cada esquina arterial.


Ela esperava, ansiosamente,
por algo que a fizesse
mudar de nome,
mudar de endereço.



Queria um tsunami,
que a fizesse perder a identidade,
que a renovasse toda,
por dentro e por fora.


Estava pronta para
um amor,
que provocasse nela
uma transfusão geral de sangue
e de alma.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Casa desarrumada

Peixes no armário,
ossos no aquário,
poeira caindo do teto
e goteiras embaixo do tapete.

Sonhos no banheiro,
banhos no quarto,
temperos na sala,
sofás na cozinha.

Sopa no garfo,
macarronada na colher,
água no prato,
arroz na garrafa de café.

O sol entra pelo tubo hidráulico,
a lua sai pela porta
e volta pelo ralo da área de serviço.
A casa pós-histórica
exala magia torto e à direita.
Parece ter sido feita para Toquinho e Vinícius.

Casa anti-lógica,
quente.
Sem ar encanado,
sem gás condicionado.

Ainda está na planta,
é projeto,
é semente.
Mas, está pronta na mente
a casa desengonçada.

Quer uma igual?
É só morar ao lado,
porque essa louca morada
é casa geminada.



Cardiologista


Auscultava até onde não havia corações
procurava sinais vitais
em toda parte.
Acreditava na hipótese
de haver água em Marte.
Em meio à falta de notícias,
cruzava informações
que captava no ar:
pombas da paz,
bombas de gás,

mosquitos transmissores,
borboletas transgressoras...

Mas, o negócio dele
era mesmo o silêncio.
Gostava de auscultar.
Desconfiava que o segredo
estava na pulsar das coisas.

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Adiamentos

Um precisava fazer,
outro queria dizer.
Não disse.
Não fez.

Outras noites vieram.
Ações e palavras
adormeceram.

Durante o dia,
intenções,
ensaios.

Um dia sai.
Um dia, agora vai..
Um dia, acontece.

domingo, 14 de outubro de 2012

Elogio da sombra

Onde há sombra,
há árvore.

Se árvore existe,
os pássaros voam
e têm onde morar
e se abrigar quando chove.

Se há sombra,
é porque o sol brilha
entre construções
e a mansidão
vai sombreando
entre os quarteirões,
reproduzindo prédios
em diagonal,
distorcendo o espelho.

E no meio da noite,
lá vem a sombra
do lado,
à frente,
atrás.

Vem a sombra,
fantasma de uma luz
que ainda não jaz.

Bendita sombra,
sinal de que a escuridão
já não é tão mais.

O fim do mundo



Já tive pavor
de imaginar 
o fim do mundo,
mas o tempo 
passou,
o dia tão temido 
não chegou 
e eu acabei 
perdendo o medo. 

Agora, são muitos
mundos.
Quando um deles se acaba,
eu começo a viver em outro
em poucos segundos.

domingo, 2 de setembro de 2012

Atacado e varejo

Mesmo quando se defendia,
dizia coisas por atacado.
Quando atacava,
distribuía olhares a varejo,
como se ao girar a metralhadora,
diluísse a munição
para não ferir ninguém

Só se sentia vencedor,
quando podia distribuir
abraços a granel.

Na alegria,
chorava em grãos.
Na tristeza,
não chorava 
e nem ria

Mas sem destino
e sem desatino
Ia por um caminho,
retornava por outra via.
   
Muitas vezes,
desestradava,
desnorteado.

Mas perder-se
era o de menos;
não gostava de
ser achado.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Do fogo

Nariz com nariz,
um jogo de espelho.

Do olho,
um brilho vermelho
escorre.

Ninguém nem pisca.

Mas no miolo,
no olho do furacão
daquele abraço,
sai faísca,

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Na alegria e na tristeza

Quando ela e ele
viviam juntos para sempre,
fizeram um acordo verbal
de não agressão.
Um dos itens que mais
levavam a sério
era não se parabenizarem
no dia do aniversário

E quando se separaram,
fizeram questão de
manter o contrato

Fingir que esqueceu
era a maneira torta
de cada um dizer
que se lembrou do outro

Se ainda era resquício
de algum amor?
Não sabiam,
não se perguntavam

Mas, era um jeito
que eles tinham
de ser para sempre.

Passarilho

Não é que andasse devagar,
andava a vagar.

Não que demorasse
a processar a escolha
de um rumo a seguir

estava mais para buscar
um descaminho

Não que vivesse no
mundo da lua
ou voasse

O sol já derretera
qualquer tentativa
de ter asas

Mas, mesmo assim,
ele era um mistério:
tinha um não sei que
de passarinho


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Considerações sobre o tempo

Tempo, inimigo mais antigo,
espelho mais exato,
resposta precisa.
- Ah, então era isso!
Como eu não via?
Como eu não percebia?
- Porque não era tempo
de ver.
Viver me tomava todo o tempo
e perceber não era necessário.

Tempo é lente de aumento,
baú de memórias,
balaio de esquecimentos.

Tempo é lento
quando a gente tem pressa.
Veloz, quando
tudo o que a gente queria é que
o tempo parasse.

Tempo em esfera,
tempo em linha reta,
tempo de espera.
O tempo não perdoa,
põe linhas profundas
no rosto.

Mas, pode ser que o perdão
só precise de um tempo
para brotar, aos poucos,
no asfalto rígido da dor,
que se esfacela lentamente,
por obra e graça
do tempo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Tendo sido...

Ser
ter...

Cer-
teza,

É o que 
ele não 
tinha




segunda-feira, 4 de junho de 2012

O telefone


Ela não me liga,
mas eu ouço vozes
pergunto: quem é?
Alguém diz: cruzes!
Pergunto: onde?
Ninguém responde.




Volta na chave

Dou uma volta na chave,
um passeio na rua,
duas voltas na praça,
sem a chuva prevista,
tomo um banho de lua

Tomo um chá de cadeira no bar,
a noite nem parece ter pressa
faz que vai me esperar
e me tirar pra dançar

Mas, não dá tempo
de todo o ritual se cumprir
é chegada a hora de dormir
se é que você dorme,
se é que você me entende

Então, vamos embora,
vou dar a volta contrária na chave
e resumir o discurso que ensaiei
e vamos lá, com um certo cuidado,
que o sol tem sono leve
Vamos amar adoidado

Mas pra nós sermos livres,
só se for de almas abertas,
corpos colados
e a porta trancada.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Choro no espelho

Chorou,
olhou no espelho,
acompanhou o pequeno e efêmero 
córrego que a lágrima lhe formou no rosto
Até sentiu o gosto salgado

- é o sal da vida, pensou!

Deu de ombros para o espelho
deu um leve sorriso
e pranto final

Da próxima vez que chorar,
já vai ser por um outro motivo,
uma nova história.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Sob medida

Na minha cara,
cabem todas as verdades que me jogarem

No meu armário do tempo,
não há bombas a ser desarmadas,
nenhum grande mistério
Só destroços de memória,
restos mortais de amores
e ossos de histórias,
que ainda até posso contar

Na minha casa,
cabem todos os fantasmas camaradas,
coloridos e invisíveis

Nas minhas asas,
sobe toda a carga dos anos
Mas, como o tempo não para,
tempo não pesa

 

sábado, 26 de maio de 2012

Letra, palavra e frase

O desejo secreto da frase
era não ser mais do que uma simples palavra

Para a palavra,
bastava ser uma letra

A letra queria ser menos ainda:
um acento,
uma vírgula,
um pingo

Mas, aí, ela
continuaria sendo letra,
a letra i

Frase, palavra e letra
queriam ser apenas um sinal gráfico,
um rabisco que dançasse
ou fizesse cantar,
um código mágico e universal

Mas, frase, palavra e letra
já se conformaram em ser o que são
pois o que elas queriam ser
já existe:
é a nota musical

Mas, quem pensou que fim
dessa história fosse de frustração,
ainda não percebeu
que toda vez que alguém assobia
uma melodia,
ou toca um
instrumento,
letra, palavra e frase pegam
carona na música

e é assim que o sonho
se faz
e se refaz todo dia.



sexta-feira, 27 de abril de 2012

Língua em trânsito

Acordou e pensou:
-  que trânsito tenso!

Olhou para o tempo
viu um barco que voa
um pássaro à toa
um avião que boia
um carro que anda
um sujeito que corre
um objeto que morre

E se perguntou:
- quem é que socorre a frase?

Percebeu que estava ficando louco
tinha pavor de morrer de acidente
medo de dar com a língua portuguesa nos dentes
e marcou consulta no psicólogo.

Não via a hora de se deitar no divã
e fazer análise sintática

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Honra ao mérito

Precisava ser paparicado,
precisava ouvir boas palavras
mas não tinha feito por merecer

Nada mais sólido e palpável
do que aquela solidão

nada mais subjetivo
do que a espera pela quebra
da monotonia do quarto escuro

nada mais insone
do que as imagens
arremedo de esperança

nada de pena de si mesmo
nem de ácool para aliviar sintomas
toda aquela dor no peito
era medalha pendurada
de honra ao mérito

terça-feira, 27 de março de 2012

Dois pássaros e um cachorro

Ilusão nem bem pousou
na palma da minha mão
e já bateu asas.

Pior, faz o Amor,
esse pássaro arisco.
Não aparece mais
nem para catar os grãos
de alpiste
que espalho na varanda.

Ainda bem que existe
uma cadelinha vira-latas,
que mora uns tempos comigo,
passa uns meses fora,
mas sempre retorna.
O nome dela é Paixão.
O único problema é
essa vira-latez:
basta um descuido
e lá se foi ela
embora outra vez.

sábado, 17 de março de 2012

No fim das contas

O sujeito
levava jeito
lavava a jato
enxugava a ferro
assinava em branco
pintava o sete
corava a cara
era o manda-chuva
tirava onda
morria de medo de avião
mas vivia no mundo da lua

De tempos em tempos,
mudava de casa
piscava pro olho da rua
namorava quem passava
casava com quem ria
dormia com quem chorava
acordava de cabeça cheia,
peito vazio

Fazia silêncio nas brigas,
gritava pedindo pra fazer as pazes
e se calava para ouvir vozes
do além,
do aquém,
do talvez,
de ninguém.

Sempre,
no fim das contas,
trocava o som pelo gesto
o todo pelo resto
o corpo do desejo
pelo rosto do beijo

No fim das contas,
lá pelas tantas,
trocava seis por meia dúzia,
fazia concha com as mãos
para colher pingos de chuva
e colocar os pingos nos is.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Encontros e perdas

O barco desnorteado
sem rumo
o barqueiro remou
para o sul

a vida desbotada
sem tons
o vivente se pintou
de azul

Sobreviveu
remou
achou o norte
o doce
e o sal

flertou com
a morte
chorou
com a lua
dormiu ao sol
sorriu na rua
para qualquer um

de qualquer jeito
caminhou

e fazia assim
toda vez que não
sabia aonde ir
saía por aí

até que um dia
se perdeu tanto de si
que não sabia mais voltar
para sempre estava só
e foi aí que se encontrou inteiro
para nunca mais.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Diálogo no ônibus III

- Por favor, o senhor pode sentar! 
- Ah, muito obrigado, meu filho! Eu agradeço, mas vou continuar de pé, não se preocupe.
 - Não, mas eu faço questão. Já me levantei para o senhor sentar!
 - Não, não, não! Eu vou continuar de pé! Está bom assim! E você está me chamando de velho? Puxa! Hoje em dia, ninguém mais respeita a gente! Que absurdo!

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Diálogo no ônibus II

- Isaura, sabia que descobriram um remédio que cura a Aids?
- Sério?
- Sim. Vi no Fantástico.
- E que remédio é esse, Josélia?
- Chama-se Paratessamol.
- Paracetamol.
- Ah, você também viu o Fantástico?
- Não, Josélia. O remédio se chama Paracetamol. E não cura a Aids. É remédio para dengue.
- Ah, quer dizer que dengue agora já tem cura?
- Não.
- Mas, você não falou que Paratessamol cura a dengue?
- É paracetamol.
- Isso. Esse nome aí mesmo.
- Mas paracetamol não cura a dengue. Apenas alivia os sintomas.
- Ah... Mas, por que será que eu me confundi? A reportagem falava sobre Aids e esse tal de paratessamol, tenho certeza.
- É paracetamol.
- Ah, quer saber de uma coisa? Vamos mudar de assunto. Não aguento mais falar de televisão. Mas, aqui: você sabia que minha mãe estava com dengue?

Diálogo no ônibus

- Oi
- Oi
- Você está morando aqui agora?
- Sempre morei.
- Uai, é?
- Sim
- Achei que você tivesse ido para os Estados Unidos
- Não
- Mas, fiquei sabendo que você tinha sido deportado!
- Não, não fui. Nunca saí do Brasil.
- Não?
- Não.
- Você não é o Marcos, filho da Dona Zefa?
- Não. Meu nome é Pedro.
- Puxa! Por que não falou antes? Pensei que você era o Marcos
- Uai, você não perguntou...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Segundas intenções

Um boa-tarde
com segundas intenções?

Um sorriso
com segundas intenções?

Um presente,
um empréstimo,
um elogio,
um favor,
tudo com segundas intenções?

Não se preocupe,
não se culpe

Desconfio de que
muitas coisas boas do mundo
não surgem de primeira

belas noitadas de sexo,
amizades sinceras
e até grandes amores
nascem
das segundas intenções.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Falando em ser livre

Não me venha
falar de liberdade,
se você não tem coragem
de sair descalço pela rua
num sábado à tarde

O crente

Ele se dizia
crente
mas de vez
em quando perdia
a fé
E se achava doente
da cabeça
perdia o pé de apoio
pedia socorro
gritava ai meu Deus
o que eu fiz
o que eu faço
E se dizia crente
rezava
orava
jejuava
protestava
era um protestante
que não ia à igreja
passava longe do bar
vivia perto do mar
mas, tinha medo da
onda
e preferiu ficar
onde está.

Quem sou eu

Minha foto
Na rádio, sou o narrador de futebol, Carlos Augusto. Na TV, sou o repórter e apresentador Carlos Albuquerque. Aqui, neste blog, pretendo resolver essa "crise de identidade" e juntar os dois "Carlos"! Mas, no fundo, sou aprendiz, eternamente aprendiz! Sou filho da terra, de todas as terras que formam o planeta, de todas as substâncias que formam o universo. Sou irmão de todos os seres. Sou o pai da Luíza.