domingo, 30 de agosto de 2009

Indigência

Tece a teia
arranha
a lente

desmancha
a casa
desaloja
a aranha

arregaça
a manga

está na
garganta
o caroço

e arranha
o céu-da-boca
do estômago

vendeu
a janta
comprou
o almoço

e quando
bebe
desabafa

e quando
engole
desengasga

vai à luta
e come
grama

demente
em tese

mas não rasga
grana

então desmente
a tese

se não
baba

nem joga
pedra

não está
doente

não parece
mas ele
ainda é gente

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Entre uma e outra coisa

Moro perto vivo longe entre o ponto de ônibus e o ponto de vista Durmo tarde num lugar entre o abrigo e o esbarro Faço coisas E elas permanecem guardadas e espalhadas entre o secreto e o esparro entre o roteiro e o improviso a lembrança e o esquecimento.

Fases

Fazes
da lua
a luz
de alguma
poesia?

Fases
da lua
influenciam
teu dia?

Da noite
longa e fria,
sobraram
fezes
na calçada

Dos fusos
mal compensados
restam caras
mal dormidas

Mas,
há tempo
para jogar a vida

e nesse,
como em qualquer
jogo,

tudo é fase

Se a época
não é propícia,
é só esperar
mais um giro
completo da Terra

É tudo fase

e o segredo vem
no imperativo:

não esperes
tudo da vida

não esperes
nada da sorte

não esperes

domingo, 23 de agosto de 2009

Crítica

A crítica
é cítrica,
ácida,
básica

a crítica,
até a apócrifa,
constrói

a crítica
rói
o mundo
que sustentava
o criticado

a crítica
é a crônica
do crescimento

é o tônico
do recomeço

que a crítica
venha seta
direta
ou nas entrelinhas

crítica
nunca vem
do baixo

crítica
de dentro
auto- crítica

ou de fora

que a crítica
me atinja
e dela eu não desvie
nem finja
que não vi

mesmo que
seja um míssil
com a missão
de destruir

seja a crítica
o mais difícil
instante

que ela acerte
bem no alvo

e eu me veja,
assim,

agradecido
e salvo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O trem

Na música brasileira,
o trem é assunto recorrente.

Raul Seixas tinha o trem das sete.
Os Demônios da Garoa cantavam
que não podiam perder o trem das onze.
Cazuza embarcou num trem para
as estrelas.
Villa-Lobos viajava sem pressa
no trenzinho caipira.

Também não dá
para esquecer
o café com pão
café com pão
da poesia de Manuel Bandeira.

Na cultura mineira,
entre o erudito e o popular,
entre todos os ritmos,
entre a música do clube
da esquina
e as bandas no coreto
das praças,

entre as caixas do congado,
as violas e os violeiros,
entre as cantigas do Vale do Jequitinhonha
e o teatro do Grupo Galpão,

há um momento reservado
para um som sagrado:
o apito do trem.

Mineiro tira trem do olho,
enche a mala com os "trem"
e vai para a estação
pegar o vagão.

Mineiro,
quando está com fome,
come um trem qualquer.

Mineiro
não tem dúvida
de quando está apaixonado.

É só por sentido
nos sinais:
quando a paixão chega,
mineiro sente um trem no coração.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Inescrever

Há dias em que eu escrevo
noutros,
apenas relevo
a vontade

algumas idéias
são assim mesmo
têm a vaidade
de achar
que merecem ser ditas

O silêncio
da folha em branco
só não tem a mesma
eloquência
de uma folha verde
à espera do momento
de se libertar da árvore

nem a nobreza
da mudez de uma folha seca

domingo, 9 de agosto de 2009

Em cômodos

Basta um tijolo
no quintal das lembranças

basta uma tinta branca
descascando no quarto da infância

e lá vai parede
memória adentro da casa

sete pessoas
moram em três incômodos

o pai cospe
no cimento frio da cozinha

o dinheiro do mês
só vai dar para uns dias

corta a pasta de dente
da lista do armazém

corta também
o desodorante
o sabonete
e o papel higiênico

mas, o quintal tem galinha
que a mãe faz sangrar
no prato de esmalte

se o vô Chico Marta
trouxer um guaraná,
está salvo o almoço do domingo

Cerca viva

Esses anos todos
esses ipês roxos

o cheiro de goiaba madura

aquela flor arrepiada
como um cabelo moicano
é a cerca viva da escola

agora que eu arranquei a flor
só há uma coisa a fazer por ela
é assoprar suavemente
e fazê-la flutuar

pratos de esmalte
no recreio
mingau de fubá
e couve

o que houve com a infância
de hoje?

Nada de mau

foi apenas o mundo
que deixou as coisas
muito prontas demais

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Amor amor

Um amor de domingo
a gente esquece na segunda-feira

amor à primeira vista
ou de primeira viagem

amor bom,
o que a gente escolhe

gostoso colher amor

mas, o que sustenta
e tem sabor

é o amor
que a gente planta

o amor
está à venda

e tem dia
que a gente compra

há o amor
que é só um caso
e amor de casamento

amor que acaba
que recomeça

amor que suga
amor que compensa

amor que dá ruga
e amor que rejuvenesce

amor explícito
e amor que nem parece!

Mas, o melhor de tudo
é quando o amor engole a gente

e quando a gente pega o amor
e come

o amor nos agiganta
e nos consome

é bom cheirar o amor
mas evite podar o amor

é bom regar o amor

amor bonito,
amor mais rico,
faz rir e chorar,
morrer e renascer

amor, assim como a vida
e como a morte,
encanta

amor louco e são
é mesmo
o amor que a gente planta.

Quem sou eu

Minha foto
Na rádio, sou o narrador de futebol, Carlos Augusto. Na TV, sou o repórter e apresentador Carlos Albuquerque. Aqui, neste blog, pretendo resolver essa "crise de identidade" e juntar os dois "Carlos"! Mas, no fundo, sou aprendiz, eternamente aprendiz! Sou filho da terra, de todas as terras que formam o planeta, de todas as substâncias que formam o universo. Sou irmão de todos os seres. Sou o pai da Luíza.