domingo, 26 de julho de 2020

Tempo de amar

O amor,
com nada
se apavora:

algumas vezes,
perde tempo;
noutras,
perde a hora.


sábado, 25 de julho de 2020

Perdas, ganhos e perdas

Perdeu força
a razão,
mas a emoção
perdeu a chance

No mesmo lance,
a dor perdeu a graça,
mas o riso não chegou
a tempo
e perdeu espaço

Perdeu 
efeito a reza,
mas uma eterna 
fé não passa

Perderam
contato
os corpos,
mas as 
almas se abraçam


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Só, mas não é só isso

Só é feliz
quem se molha 
na chuva
quem se perde 
nas horas
e se acha
nas ruas
trancado, sem chave, 
do lado de fora

Só sente o gosto 
de ser atriz
a mulher que sabe
olhar assim,
de um jeito xis
e que enquanto
chora,
mexe os quadris

Mas fique de olho:
ela combinou que,
quando sofre,
no meio da cena,
dá uma coçadinha
no nariz.

Só quem 
sabe
não levar 
tudo a sério
conhece
o mistério
de ser
contemporâneo
de todos os milênios

Só se tornou gigante 
quem soube 
ser pequeno
e ganhou fácil
o prêmio
de poder voltar
a ser menino. 

Poema para uma inimizade passageira

Quer me chamar 
de inimigo?
Que o faça.
Mas dá pra
pegar leve?

Porque, quem sabe,
lá no fim de tudo,
queira o fim do mundo,
que tudo fique realmente leve
e voltemos a ser amigos. 

A vida é breve,
muito rápido o 
tempo passa
e pode querer
juntar de novo, 
eu e você, meu 
parça!

Disfarce inútil

Não se iluda:
aquela pedra,
casca grossa,
antiderrapante,
é cúmplice,
não se esqueça,
do lodo escorregante. 


Todo o lodo

O rio, lá no fundo,
abriga um mundo de areia

A água, lentamente,
vai plantando o lodo

Um verde bem rente,
traz em si o rio todo.

Explicação matemática

Qualquer parte
faz parte 
do que é 
de muitos

Do que 
é de todos,
há o que
é de cada

A conta
do mundo
nunca fecha
e é por isso
que ninguém 
paga


Deixe pra lá

Não importa 
o que eu faça
nem em qual lado
você nasça
nem dia, mês ou ano.

Estamos juntos
no mesmo espaço
e no mesmo ledo engano.

Oportunidade única

Acordei assim:
sendo um rio debaixo de chuva
Pode pedir o que quiser de mim
estou transbordando de tantos sim.

Lua e mar

Quem vive num mar de ilusões
está sujeito a se acabar na praia

São várias raias na pista
E luas aos milhões
pra somente quatro fases.

Esses caminhos têm duplo sentido,
assim como essas frases

Haikai da resignação

Daqui da montanha,
enxergo bem meu tamanho
E me auto-relevo

Maturação

Todo passo que dou
é um voo que faço

Cada farsa que uso
é um rosto que eu traço

Meu autorretrato
sai em baixo-relevo

Eu me perco
em casa
entre a música
alta 
e os pensamentos 
mudos.

Já me encontro
com asas,
despreparado para 
o voo,
mas pronto pra tudo    

Só não estou
equipado para os mares
mais profundos




Meus elementos

Já houve um tempo
eu me lembro
era o vento 
que passava

depois,
lá pelo mês de
setembro,
o tempo já voava

Aí, chegou
o dia
em que o ar 
em mim faltava

Era mesmo
de vento 
que eu me
alimentava

O fogo
em mim
ardia
e a terra,
dos meus pés
fugia

Só a água 
me entendia
Talvez 
já soubesse
da sede que
eu sentia

Sem advogado

Ninguém se ofenda
por eu ser o que sou

Ninguém
me defenda
quando me acusam
de ser o que eu sou.

Mesmo que ninguém
compreenda
eu ser o que sou.

Excesso de luminosidade

Poesia não vende
verso não rende
mas vai que acende
uma luz no fim

Vai que o poeta
deposite um sim 
no meio
do azul escuro,
enquanto eu me
aquieto
e me desprocuro.

Mas vai que 
o verso surpreende
e acende um clarão
maior que sim
e aprende uma 
resposta mais 
forte que um não!


Epílogo

Tudo o que é
um dia vai ser foi
O que será
e o que seria
vai ter
a hora de ser era.
No tempo exato de ter sido,
o ser terá ido.

Declaração da insuficiência

Nem que tu queiras,
vou deixar de te querer

Nem que eu te desenhe,
vou conseguir te descrever

Ainda que eu me empenhe,
é pouco pra te merecer!

Manga com leite

Quando eu era criança,
morria de medo
de morrer de leite com manga.

Depois que cresci,
continuo não querendo
morrer,
mas perdi o medo
de leite com manga

Hoje, tenho pavor
de uma vida sem deleite
e do risco de viver à míngua

À queima-roupa

Um amor 
que tive na vida
morreu.

E não foi morte
morrida.
Foi morte matada.

Não por bala perdida,
nem foi a sangue frio.
nem foi gesto suicida

Foi a coração frio.

Programa

Depois de tudo,
depois de uma 
hora de amor,

o melhor é 
ir embora.

Eu vou,
se você não for.

Um homem chamado pai

Um homem de chapéu, 
que não sai de cima da bicicleta
Um homem, de bicicleta,
que não tira os óculos do rosto.
E do chapéu também faz
gosto
Um homem que 
que às vezes
anda curvado,
só não dobra
o caráter sempre reto

Ele fala alto
come muito
trabalha muito
dorme cedo
e acorda outro.

Mas é sempre 
o mesmo homem
desses que a gente 
encontra na rua
sem nenhum interesse
sobre
quem é
de onde vem
sem desejar boa sorte
ou saber pra onde vai
Sorte 
é  a de quem 
já nasceu chamando 
um homem desses de pai 

Escaldado

O prato da proposta
está servido
O poema, começado.
Versos feitos de 
cacos de frases
e migalhas de espelhos
O enigma, decifrado.

A paixão é 
um café quente.
Quem se serve?
Está tudo esquadrinhado
A paixão está servida
Mas, o gato, escaldado.


terça-feira, 21 de julho de 2020

Chuva trivial

A casa cheira 
a coisa velha
Chove.
A chuva
troca as cores
do dia
troca os odores.
Agora é cheiro de poeira
poeira molhada
A toalha no varal 
está encharcada.
Cheiro de roupa
roupa
molhada
Chove.
No banheiro, uma
escova dental olha-me:
- escove
No espelho,
um outro de mim
se lembra da poeira
olha a toalha
e diz:
- molha-me!

Problema de pele

Nem tudo o que eu aparento
é reflexo do que sou por dentro
Não sou bom nem ruim
Viver é o meu defeito
e o que estoura na minha pele
é apenas efeito de bombom 
ou amendoim

Folia de reis

Se somos o que somos,
e vamos aonde vamos,
sejam as estrelas Dalvas 
de nossos olhos
nossos recíprocos guias

Os três mosquitos

Três mosquitos sonharam ser abelhas
e começaram a trabalhar um favo de poesia
mas o verso não vinha
Era como se faltasse flor
ou o mel se recusasse a brotar

De repente, o sonho muda:
no meio de nuvens
surge uma figura,
com jeito de fada madrinha:
estrela no olho
e varinha na mão:
era uma abelha rainha.

Ela acordou os três mosquitos
só pra falar:
- para fazer poesia,
é preciso se apaixonar

Complexo de gêneses

Para ele,o mundo começa de novo
quando uma única pessoa 
se transforma num povo

domingo, 19 de julho de 2020

O desaparecimento do galo

O amanhecer
brotou no quintal.
Estava dormindo
numa gota de orvalho.

Agora, o dia
que acabou de 
acordar
já organiza 
as boas-vindas
ao sol.
E pra isso,
procura o parceiro
de todo dia:
- Galo, onde está você?

Não se trata de plano B,
mas perdido,
no meio dos galhos,
o sabiá é quem 
abre os trabalhos.

Haikai de um domingo de inverno

Um domingo frio
Muitos pássaros na árvore
E eu, no meu ninho

Tipos de vida e morte

O que é mais cruel?
Um tipo de morte,
que nos mata com um só golpe,
ou um tipo de vida
que nos vai matando aos poucos?

Reconhecimento

Nas madrugadas, os iguais se procuram
e se livram das diferenças.

À noite, os diferentes se encontram
e se curam dos dias tão iguais


Haikai do bem-te-vi

Tu bem te escondes
Mal te vejo bem-te-vi
Paro pra te ouvir

Rua dos pássaros

Nem bem-te-vejo
mas, já bem-te-escuto,
Bem-te-vi!

Eu tão sem tom,
eu tão sem graça,
nem bem-te-mereço,

Mas, pelo delírio 
do teu canto,
bem-te-vi,
eu bem-te-agradeço.


No céu de Quintana

O poeta enlouqueceu
e de vez em quando,
não falava  
coisa com coisa.
Diziam
que ele era de lua
E quando fazia 
um poema,
não sabia
mais escrever
nas entrelinhas
Só escrevia
nas estrelinhas

Está escrito

Um riso
e um choro
juntos,
há poucos instantes.

São sintomas
de que
não podemos 
ficar distantes.  

Soro caseiro

O suor de
um certo corpo
encontrou
o doce de um
olhar
Com essa receita
caseira
de soro
Não há sede
nem choro
que faça
a alma desidratar


Globo da sorte

Uma combinação
de água,
terra,
fogo e ar
garante
a movimentação 
no globo da vida
São muitos caminhos
que se cruzam no lado
de fora da esfera
Mas há também
os encontros
e desencontros
no lado de dentro
da espera.

Proposta para uma lápide

Em vez do tradicional
"aqui jaz" fulano,
que tal:
"aqui paz", meu mano.

Acidentes de percurso

No meio da alegria,
uma dor,
feito uma pedra,
no caminho de um poema.

No meio da dor,
um riso, 
feito água,
contornando a pedra 
do problema. 







 

Jardim filosófico

Muitas respostas
sobrevoam a árvore
da dúvida
Passam rentes aos galhos
e chegam a tocar
o fruto da pergunta
As respostas são
tantas e  
de toda cor
Mas, de repente,
o grupo se junta
e voa pra longe
sem nada responder
A pergunta 
então percebe
sem tristeza ou rancor
que cada resposta
não passava de um 
fugaz beija-flor

 

Encanto consonantal

A última letra
da palavra mar
é a primeira letra
da palavra rio.

Na vida real
de mar e rio 
é ao contrário:
este termina
onde aquele
começa.

Esse episódio 
consonantal,
nem encontro,
nem desencontro,
talvez sirva pra
lembrar
do encanto continental
que é o rio 
chegando ao mar

A lei da física e as palavras

O céu não cabe
na palavra céu

Ar, com essas duas letras?
Sem chance de abrigar
tempestades, ventos,
nem sequer uma brisa.

É sério que
o sol,
essa palavrinha tão curta,
guarda toda a luz
e todo o calor que 
assegura a vida no planeta?

O mar transborda
pela palavra mar

O rio, escrito assim,
tão pequenininho,
não tem forças para ir 
a lugar algum

E como pode
tanta noite
dentro da palavra lua?
Isso, sem falar 
no São Jorge,
no cavalo, 
no dragão...

Morte e vida do poema

A minha caneta é uma roleta russa.
A qualquer hora,
eu encontro aquela palavra e...
Pronto!

 

Ciranda da rotação

A Terra é uma menininha travessa,
que brinca o dia inteiro
fica tonta de tanto rodar
em torno de si mesma
observada de longe pelo pai Sol
à noite, ela vai dormir sossegada,
protegida pela mãe Lua.

Coração, cabeça e pé

A cabeça estava cheia de corações
O coração batia cabeça
A pele sem pé nem cabeça
O corpo enlouquecido de desejo
da cabeça aos pés

Fluidos matinais

Esse orvalho de todas as manhãs
é lágrima de alguma estrela triste
ou é suor que respingou
de uma noite de prazer dos astros?

Troca de turno

Depois de uma noite 
bem dormida,
o sol chegou,
puxando o dia.
A lua, meio perdida,
nem viu a noite indo
e meio sem graça,
foi embora, 
já quase dormindo.
 

Banco da praça

Eu me lembro
dos amigos desnecessários,
de tantos e de poucos anos,
que fazem tanta falta!

Quinto elemento

Vento leva vidas
sempre vivas
e quase mortos

Vento, quase sempre 
é breve

E quando não é,
com ele ninguém se atreve.

Vento joga terra na água,
joga água no fogo,
torna mais fresco o ar.

Vento é ar,
ar é vento,
os dois brincam nesse jogo.

Parem as buscas 
pelo quinto elemento

Eventualmente,
esse é o vento.

Pássaros e invenções

Ao inventar o avião,
quis o ser humano
recriar a águia,
e homenagear o condor

Ao pensar o helicóptero
foi feliz o inventor
ao se inspirar no beija-flor

Aviões, helicópteros e pássaros

Avião
pássaro mecânico,
pássaro voando:
pose de falcão,
ares de águia,
porte de condor.

Helicóptero,
mais que pássaro mecânico,
tem um que de romântico
à procura de amor.
Olha pra ele
e fala se não
parece uma espécie
de beija-flor!



Arquivos atemporais

Gritarei aos meus silêncios
um nome
e eles decidirão
o que calar com ele.

Guardarei no meu grito
o acontecimento
e finalmente, 
vou escutar 
aquelas fotografias
que, com o tempo,
aprenderam a cantar
nas minhas mãos.
 

Movimento de rotação

Um aviãozinho de papel
fez um pouso de emergência
à noite
no campinho de futebol.
Veio do outro lado do mundo,
lançado, doze horas atrás,
por um menino, no oriente.
Aqui, no gramado do campinho,
ele ganhou as boas-vindas 
de uma estrela cadente.

Senhor Sonho e Dona Insônia

Senhor Sonho e Dona Insônia
combinaram,
de em noites diferentes,
habitarem o mesmo corpo
e perturbarem a mesma alma.

Na cama, dois
hospedeiros que botam pra quebrar.
Atuam a noite toda,
fazem valer a hospedagem.
Cada um ao seu jeito,
trabalha produzindo imagens. 
 
Sonho é um mar aberto
para qualquer tipo de viagem

Insônia é um grande deserto
salpicado de miragens

Sonho pode abrigar 
desejos secretos

Insônia é onde moram
passados e futuros nada discretos 

A insônia chega 
sabe-se lá de onde
E tem medo 
que o sonho
que transita em vários mundos
revele de algum modo
os segredos que ela esconde.


Haikai de um domingo de inverno

No dia todo frio
O sol usa e abusa
da blusa no varal



domingo, 12 de julho de 2020

O dia manda recado

Nos primeiros
acordes,
passarinhos
acordam o sol

Raios de luz
entram pela
fresta da janela,
e deixam  claro:
que já é hora de sair
de baixo do  lençol.

Haikai do banquete

Esfarelo pão
sobre o muro da varanda
Dois pássaros pousam

Ameaça e promessa

Pois é
Era mesmo pra ser.
Pudera
avisou que seria.
Pusera uma placa
no olhar
Pois era
visível
Todo o mundo sabia.
Pois ia
Tinha que ir um dia
Pois foi
Embora 
dizendo
que voltaria

Falai alguma coisa

Pode ser que aconteça
agora,
sem que eu saiba 
se é fim ou recomeço.

Estou no meio do dilema,
sem saber se é assim mesmo,
ou se é problema.

Estou no meio:
ao mesmo tempo, limite;
no mesmo espaço, alvo.

Mas dizei um só palpite
e serei salvo.

Kafkafé da manhã

Um dia, acordou
e se descobriu
cheio de pernas
misturadas com braços

Lembrou-se que
antes de dormir
ainda era gente
Mas durante o sono,  
virou aranha.

Nem chorou,
nem sorriu.
Nem quis café,
nenhum tipo de manha.

Apenas fez
o que dava
pra fazer.

Agora, não precisava
mais ter, nem ser,
nem fazer ou acontecer.
Só restava a ele tecer.  
 

Demonstrativo

Cedo, cedo, 
mas já é tarde.
Tudo é veloz
quando sai
e quando
vem a nós:
espirro, tosse...
Esse pronome
indefinido
é o demonstrativo
de que nem adianta ter
o tal sentimento de posse.

Quem sou eu

Minha foto
Na rádio, sou o narrador de futebol, Carlos Augusto. Na TV, sou o repórter e apresentador Carlos Albuquerque. Aqui, neste blog, pretendo resolver essa "crise de identidade" e juntar os dois "Carlos"! Mas, no fundo, sou aprendiz, eternamente aprendiz! Sou filho da terra, de todas as terras que formam o planeta, de todas as substâncias que formam o universo. Sou irmão de todos os seres. Sou o pai da Luíza.