O olhar
que procurava achou
O que foi achado
se deixou achar
Ele também procurava
o olhar que o achou,
mas isso, ele nunca revelou.
Este é um blog teste. Com a pretensão de abrigar textos, poemas, crônicas...
O olhar
que procurava achou
O que foi achado
se deixou achar
Ele também procurava
o olhar que o achou,
mas isso, ele nunca revelou.
Antes, era apenas o verbo;
o verbo insta
terceira pessoa do presente
do indicativo do verbo instar
Ele insta
Agora, o sujeito,
antes instável,
se não é,
precisa ser
instagramável
Ins-ta
também são duas sílabas
que vêm antes do antes
na palavra instantes
De iludido ou esperançoso,
o instagramável
é imediatista apressado
E ao postar opiniões,
ainda que equivocadas,
está ele
absolutamente certo
E assim, seguimos nós,
tão perto e tão distantes
Acariciado pela brisa
ele se envergou no vendaval
e derreteu na chuva intermitente
Quando retornou o sol,
voltou a absorver a chuva fina,
recebeu a água e
e deixou o que havia de mágoa,
escoar com o temporal
Verseada ao molho de inspiração abrupta,
com uma pitada de riso nervoso e descontrolado,
uma gota de lágrima envelhecida,
requentada em fogo brando de melancolia
Na sobremesa,
dores descongeladas,
adoçadas com ressentimentos desidratados
Fica pra próxima
o sachê com 5 gramas de alegria
Quando sentou na cadeira do bar,
a palma da mão estava de um jeito,
que água não dava conta de limpar:
engordurada de
tanto manusear cotidianos,
contaminada
de grandes e
pequenos dramas,
impregnada de bactérias
e resquícios de perfume
deixados por outras mãos
Teve a sensação de que
higienizar aquela parte do corpo
seria também lavar a alma
E finalmente, começou a operação
limpeza:
com uma caneta entre os dedos,
deslizou a palma da mão
sobre o guardanapo aberto na mesa
Este que sou agora
chegou não sei quando
talvez fora de hora
Um daqueles que
eu fui um dia
ainda não foi embora
Vários que eu seria
já eram
E não sei quais
nem quantos
aqui nunca estiveram
Será que estão a caminho?
esses outros de mim?
Ou são eles
que por mim esperam?
Chegou a época
de semear belezuras
de respeitar a missão
inglória dos espinhos
e pelo menos não ser
o que vai arrancar a rosa
Festejar os frutos
e as sombras das árvores,
render homenagens
às raízes
Se ela erra?
Como humana que é,
provavelmente, sim;
mas que os erros dela
não causem mal a ninguém,
assim como
nunca fizeram a mim
O que eu leio:
as histórias que ela escreve
em cada linha
das retas e curvas que percorre,
nas inequações que resolve
Meu desejo:
as dores que ela absorve
virem flores que a iluminem
O que eu vejo:
a força a descrever
a menina que dança
a mulher que se lança
com uma sede de descobrir,
que já vem de criança,
quem sabe até de nascença
O que me tranquiliza:
ela trabalha,
ama,
anda na praia,
viaja,
sonha e realiza.
Se ela chora?
Um dia desses,
viu uma alegria
sair pela porta de casa
para não mais voltar
E eu a vi chorar
Quando não é
tristeza,
os olhos dela exalam estrelas
e ela sai a desvendar novos mundos
a mergulhar em muitos mares
Ela se entrega aos ventos,
mas não pense
que vai sem norte
ela é a minha filha
e essa é a minha sorte
Não deu tempo de fazer um poema
para a sabedoria
Logo veio a
a anestesia,
seguida da alergia,
da letargia,
e o silêncio
Por educação,
levar a sério o ditado:
quando um burro fala,
o outro murcha a orelha
Como macaco velho
não mete a mão na cumbuca,
estar sempre com a pulga atrás da orelha
e evitar passar o carro na frente dos bois
Quando a porca torce
o rabo
precisa escolher entre
virar uma onça
ou se fingir de égua
gato escaldado,
que tem medo de água quente,
detecta, de longe,
o risco que vem ainda
lá na frente
Disciplinado,
pra não ver a vaca ir pro brejo,
tem que matar um leão por dia
engolir sapos,
pra não perder emprego
e preservar a paz
Justo e leal,
dá um boi para não entrar
na briga
e uma boiada pra não sair,
se a causa valer a pena
Pra afrouxar o nó da garganta,
cospe marimbondos
E se não der resultado,
se ainda estiver sufocado,
solta os cachorros
e se sente libertado
Mas o que mais o anima
é sentir borboletas no estômago
Votei para o verso vir
e ficar
Ele veio
mas não ficou
Era um verso em
trânsito,
cumprindo o trâmite
e eu, em transe,
a esperar
uma semente
que eu pudesse plantar
Não é que tenha
sido um veto,
mas é que o verso
é um vento,
sem interesse
de fazer brotar
Depois, que eu possa dizer:
- era um sonho que eu tinha
Durante, que eu perceba:
- que sorte a minha!
E toda vez que eu me perder:
- ganhei meu dia!
Antes pelo contrário
Depois pelo precoce
no meio, o retardatário
Foi morto o choro do
enterro
no dia do inventário
Há erro que não morre
e sempre faz aniversário
Na terra seca,
à beira do rio,
cresceu árvore,
surgiu bicho,
brotou água
Foi mágica não;
projeto e trabalho
de Lélia e Sebastião
Doce é o nome do Rio
Salgado é o sobrenome de Tião
o acaso preparou esse tempero
Quanta vida havia
escondida nas entranhas da terra
debaixo daquele deserto estranho
e hoje, tantas florestas
renascem no viveiro
Doce é o rio
pra Sebastião,
sagrado
e que gosto bom
regar as sementes
que já refrescam o futuro
desde o canteiro
quem sabe um dia,
um rio salvo e são,
se levarmos a sério
o sonho de Sebastião
(Para Sebastião Salgado – 02/06/2025)