Certa feita,
um doutor,
muito
boa gente,
inventou
de formular
uma receita
diferente.
Com um pé
na medicina
e outro na loucura,
foi buscar na poesia
a vacina, a cura
pra todo tipo de doente.
Fez do papel,
laboratório;
pesquisou
dosagens,
estilos,
afinidades
e registrou em cartório
medicamentos que não
têm prazo de validade
E foi assim,
que para cada
problema,
prescreveu
um poema.
Se está alta
a pressão;
o remédio prescrito
está quase sempre à mão:
um sofisticado, e
ao mesmo tempo, simples
haikai de Paulo Leminski
não tem contraindicação.
E assim como
o vinho,
ainda faz bem ao coração.
Mas se Leminski
rima mesmo é com whisky,
desse verso engarrafado,
ao amigo desenganado
ofereça uma dose a mais
É assim que o salvaria
dr. Vinícius de Morais
E se a vida anda tensa,
veja se a despensa
tem alguma Adélia Prado,
relaxante,
de efeito comprovado
Sofrendo de insônia?
Pílulas líricas e instantâneas
ou suaves gotas de Mário Quintana
Distúrbio no intestino?
Manoel de Barros,
que se diz desimportante,
avisou que voltar a ser menino
restaura a flora e estica o horizonte
Doeu a coluna inteira?
Olhe para cima
e hasteie ao vento
um trecho
de Manuel Bandeira.
Dificuldade pra enxergar?
Com uma lente,
tente, firme a vista
num poema bom
que fale de amor, angústia,
alegria e saudade
tenho uma lista
de Carlos Drummond de Andrade
Pra ansiedade
e depressão,
entenda a pedra
do caminho,
aprenda da
pedra a lição que acalma:
João Cabral descobriu
que a pedra é a sutil
alma do Brasil
Mas, no corpo,
pedra ruim
é a que se aloja
no rim
Tanto quanto
a poesia,
que a água
nunca esteja em
falta
pra gente matar
a sede
e depois,
deitar
na rede,
pra ler
Cecília Meireles
em voz alta
E quem sabe,
por fim,
arrematar aquela
fonte naquele
leilão de jardim.
E enquanto
bombardeia
cálculos renais,
saboreie estrofes
diluídas
em rimas
medicinais
Se ainda assim,
estiver nervoso,
melhor que maracujina,
é um verso bem
gostoso
de Cora Coralina.
Pra zumbido
no ouvido,
apendicite,
paixonite,
ou tristeza de
causa incerta,
recite,
bem baixinho
uma frase,
um versinho.
Pode ser de qualquer poeta
Para genéricas dores,
Fernando Pessoa
e outros fingidores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário