domingo, 2 de agosto de 2020

Receituário poético

Certa feita,
um doutor,
muito
boa gente,
inventou 
de formular
uma receita
diferente.

Com um pé
na medicina
e outro na loucura,
foi buscar na poesia 
a vacina, a cura 
pra todo tipo de doente.

Fez do papel,
laboratório;
pesquisou
dosagens,
estilos, 
afinidades
e registrou em cartório
medicamentos que não
têm prazo de validade
  
E foi assim,
que para cada 
problema,
prescreveu
um poema.

Se está alta 
a pressão;
o remédio prescrito
está quase sempre à mão:
um sofisticado, e
ao mesmo tempo, simples
haikai de Paulo Leminski
não tem contraindicação.
E assim como
o vinho,
ainda faz bem ao coração.
 
Mas se Leminski
rima mesmo é com whisky,
desse verso engarrafado,
ao amigo desenganado
ofereça uma dose a mais
É assim que o salvaria
dr. Vinícius de Morais

E se a vida anda tensa,
veja se a despensa
tem alguma Adélia Prado,
relaxante,
de efeito comprovado

Sofrendo de insônia?
Pílulas líricas e instantâneas
ou suaves gotas de Mário Quintana

Distúrbio no intestino?
Manoel de Barros,
que se diz desimportante,
avisou que voltar a ser menino
restaura a flora e estica o horizonte

Doeu a coluna inteira?
Olhe para cima
e hasteie ao vento 
um trecho 
de Manuel Bandeira.

Dificuldade pra enxergar?
Com uma lente,
tente, firme a vista
num poema bom
que fale de amor, angústia,
alegria e saudade
tenho uma lista 
de Carlos Drummond de Andrade

Pra ansiedade 
e depressão,
entenda a pedra
do caminho,
aprenda da 
pedra a lição que acalma:
João Cabral descobriu
que a pedra é a sutil
alma do Brasil

Mas, no corpo,
pedra ruim
é a que se aloja
no rim

Tanto quanto 
a poesia,
que a água 
nunca esteja em 
falta
 
pra gente matar
a sede
e depois,
deitar 
na rede,
pra ler
Cecília Meireles
em voz alta

E quem sabe,
por fim, 
arrematar aquela
fonte naquele 
leilão de jardim. 

E enquanto
bombardeia
cálculos renais,
saboreie estrofes 
diluídas 
em rimas
medicinais

Se ainda assim,
estiver nervoso,
melhor que maracujina,
é um verso bem
gostoso
de Cora Coralina.

Pra zumbido
no ouvido,
apendicite,
paixonite,
ou tristeza de
causa incerta,
recite,
bem baixinho
uma frase,
um versinho.
Pode ser de qualquer poeta
 
Para genéricas dores,
Fernando Pessoa
e outros fingidores.

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Quem sou eu

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Na rádio, sou o narrador de futebol, Carlos Augusto. Na TV, sou o repórter e apresentador Carlos Albuquerque. Aqui, neste blog, pretendo resolver essa "crise de identidade" e juntar os dois "Carlos"! Mas, no fundo, sou aprendiz, eternamente aprendiz! Sou filho da terra, de todas as terras que formam o planeta, de todas as substâncias que formam o universo. Sou irmão de todos os seres. Sou o pai da Luíza.